Rio de Janeiro, 11 de Janeiro de 2016.
Eu levei onze dias para absorver e compreender o que aconteceu no ano de dois mil e quinze. O fato é que se eu olhar para trás, há exatos trezentos e sessenta e cinco dias eu estava falando com a minha mãe: "não conte comigo essa semana, porque eu vou viver em função do 'Adeus'". "Adeus" para quem não sabe é o meu filme. Eu escrevi, eu dirigi e junto com uma grande amiga produzi. O filme não tá finalizado, eu só tenho o primeiro corte dele e tudo mais, mas eu o fiz.
O filme fala sobre a ruptura de um relacionamento heterossexual. Um rompimento de um relacionamento conturbado. Mal sabia eu, que aquilo era uma prévia de todos os rompimentos que estavam por vir (e os que já passaram). Pouco tempo depois de rodar o filme, veio a minha primeira ruptura. Um coração partido. Mas o que é mais uma vez ter o coração partido? Eu sabia recolher os cacos e recomeçar. Eu achava que sabia.
Logo depois, a ruptura foi comigo mesma. Achar que meu filme não é bom o suficiente para ser exibido para a faculdade. Todas as minhas inseguranças como artista, como ser humano sendo expostas ali, pra algumas dezenas de pessoas que, em grande maioria, não gosta do mesmo tipo de arte que eu. E ali, eu vi meu primeiro desafio de ter que encarar todo mundo. Encará-los. Encarar minha mãe, meu irmão, meu pai e os professores e amigos que confiaram em mim e me impulsionaram para fazer meu filme. A única coisa que eu pensava era: "Eu não posso decepcioná-los". Não é o melhor filme do mundo. O primeiro (e único, por enquanto) corte não está nem perto do que eu queria que fosse meu filme, mas eu tentei.
E aos poucos, enquanto eu estava quebrando, eu vi pessoas queridas irem embora. Pessoas que eu sabia que tinham um valor importante para mim e eu não conseguia trazê-las de volta para minha vida. Então, eu comecei a desistir delas e comecei a desistir de mim mesma, ali em meados de junho.
Mas junho, valeu a pena. Eu larguei tudo e falei: "foda-se essa merda eu quero conhecer uma atriz que eu acho fantástica". Eu fui pra porta do hotel. Eu cheguei lá e com uma simples pergunta de: "Ela já chegou?". Eu conheci uma menina mais velha que eu, com uma risada contagiante. Um pouco tempo depois, chegaram mais três meninas atrás de mim e perguntaram: "Ela já chegou?" e ali, uma menina que parecia a Demi Lovato e uma com longos cabelos negros se juntaram a mim. O dia foi passando, a atriz chegou e se emocionou com o tanto de gente que tinha lá. Sentada do outro lado da rua, eu conheci mais seis meninas. No total, somos dez. Somos a Caravana da Tia Luly. Primeiro o grupo era para discutir sobre Once Upon a Time e a Lana Parrilla... Só que hoje, sete meses depois, somos muito mais do que um grupo que discute sobre Once Upon a Time.
Em julho as coisas pioraram. Eu me formei. Eu fugi para um lugar onde eu tecnicamente deveria recarregar minhas energias, quando na verdade eu todos os dias eu me perguntava: "E agora?". E fui quebrando cada dia que passava.
Para quem não sabe, vamos voltar alguns anos atrás: sofri bullying no colégio. Me chamavam de gorda. Ana Gorda. Ana Porca. Ana Peituda. Jogavam chiclete no meu cabelo e eu arrancava todos os tufos na mão. Fizeram isso comigo numa festa de aniversário que eu estava me sentindo linda. Me jogavam no chão. Me empurravam... Quando isso acontecia, as pessoas saiam correndo fingindo que não viam. Ou, elas ficavam rindo. Eu lembro da cara de todas as pessoas. T O D A S rindo de mim. Aos poucos, eu fui me curvando para esconder meus seios. Aos poucos, eu comecei a usar casaco nos dias de quarenta graus para esconder meu suor. Passei a usar meu cabelo num rabo de cavalo para ninguém nunca mais jogar nada no meu cabelo. Eu não usava short, porque eu tinha muitos machucados na perna.
"Ana Luíza, que machucados são esses nas pernas?"
"Mordida de mosquito".
Mentira. Eu me coçava até me machucar. Eu coçava sem mosquito, para me machucar e me mutilar.
"Ana Luíza, que machucados são esses nos ombros e nos braços?"
"Mordida de mosquito".
Mentira. Eu me apertava com as unhas para me punir pelas coisas que os outros faziam comigo.
Eu sofria disso tudo em silêncio. E foi naquele ano, 2003. Que eu tive meu primeiro pensamento suicida. 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 foram cinco anos ligando gás de cozinha quando estava sozinha em casa na tentativa de acabar com a minha vida. Depois de alguns anos de terapia, eu comecei a gostar um pouco mais de mim. E, em 2015 eu criei coragem para contar para a minha mãe tudo o que acontecia. Porém, 2015 fez com que todos esses sentimentos voltassem.
Voltemos a 2015
Em julho, por erro de terceiros e de comunicação e tudo mais, me senti apunhalada nas costas. Não importa, mas ali, foi o estopim para ter um dos piores anos da minha vida. No dia 25 de Julho de 2015, magoada, triste, sem saber o que fazer... Eu tentei suicídio. Eu tomei um caralhão de remédio de noite trancada no meu quarto enquanto eu chorava desesperadamente pedindo para morrer. Foram muitos comprimidos, eu não lembro quais eram e nem quanto eram. Eu só lembro de ter bebido muita água para poder engoli-los. Poucos minutos depois eu corri para o banheiro e vomitei tudo. Chorei mais e mais. Lembro de ter passado na minha cabeça "Sou tão inútil que nem para me matar eu sirvo". Eu passei a noite acordada. Pensando em tudo e em algum momento veio: "O que foi que eu fiz?". E mais choro... No dia 27, eu sai para encontrar uma amiga e depois acabei indo ao cinema com outras duas. E nenhuma delas suspeitava do que tinha acontecido. A semana passou, joguei na cara da minha mãe e conversei com meu pai. E foi aí que eu vi: eu podia estar em depressão. Eu precisava de ajuda.
Meus amigos mais próximos só descobriram do que eu fiz muito tempo depois. Uns falaram: "ok tá tudo bem agora, né?". Outros nunca mais me procuraram. Outros imploraram que quando eu tivesse uma crise de novo, para que eu ligasse para eles. Outros choraram comigo, me abraçaram e falaram o quanto eu sou amada...
Mas não parou por aí: eu comecei a ter crises de pânico e ansiedade. Crises severas de chorar no meio da rua por nada, de não conseguir respirar ou até mesmo travar no meio da rua por um pânico louco que vem do nada. Aos poucos, eu aprendi a controlar, mas no início foi difícil. No início, esconder tudo isso das pessoas foi muito difícil. Principalmente da família, que faz muitas perguntas e você só fica olhando querendo saber como que faz para voltar para a sua cama.
Procurei médicos, voltei para a terapia e a suspeita se confirmou: eu tenho depressão.
Eu. Tenho. Depressão.
Eu não tenho vergonha de ter depressão.
Eu não tenho vergonha de ter ataques de pânico.
Eu não tenho vergonha de ter crises de ansiedade.
Antes, lá em agosto, eles me controlavam. Eu era vítima deles e não conseguia viver. Hoje, eu aprendi a viver com eles. Hoje, eu aprendi a viver com tudo isso... Aprendi que cada coisa tem seu tempo, aprendi a me acalmar, aprendi que as coisas tem um tempo certo para acontecer.
É difícil? É.
Você tem que sofrer pra aprender? Sim.
Mas, você aprende em algum momento. Em algum momento você vê que vence tudo isso e começa a viver a sua vida. O que não pode acontecer, pelo menos no meu ponto de vista, é você se forçar as coisas. Se você está mal, aceite isso e não se force a sair de casa ou qualquer coisa do tipo. Se você não se sente confortável em tal lugar por causa do lugar ou das pessoas, você tem todo direito de não ir. E não fique se julgando, porque no final, só faz mal para você.
2015 foi um ano difícil para muita gente. Mas, obviamente, teve seus momentos bons.
Eu quebrei e junto com muita gente, eu to conseguindo recolher meus cacos e com o tempo eu estou me reerguendo. Obviamente, dessa vez vai demorar, eu - ainda - não estou bem psicologicamente, muito menos fisicamente, mas eu sei que as coisas vão passar. Vai tudo passar e se isso tudo aconteceu comigo por algum motivo e um dia eu vou descobrir.
Em 2015, eu vi meus amigos de verdade. Eu realizei muitas coisas. Então, não foi um total ruim. Mas sinceramente, não gostaria de ter um repeteco de 2015.